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Cinco pontos explosivos da PEC 32 da Reforma Administrativa

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A PEC 32/2020 surgiu no cenário nacional como uma surpresa, uma vez que em meio às dificuldades de trâmite e discussões que gravitavam em torno da Reforma Tributária, aparece surpreendentemente uma proposta do governo federal para a Reforma Administrativa. O governo federal esteve atrelado a uma pauta de reformas sempre anunciadas como solução para a ‘retomada’ do crescimento econômico, sendo elas de caráter liberal e que, portanto, retraíram muitos dos direitos sociais, a exemplo do curso de reformas: previdenciária, trabalhista e, depois, tributária. Percebe-se que existe um pano de fundo ‘minimalista’ em relação aos papeis do Estado, inclusive aqueles que a própria Constituição atribui ao Estado brasileiro, de Estado Democrático de Direito que visa superar as desigualdades, construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização. Neste sentido, basta perceber que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, REJEITA uma omissão incômoda que há tempos povoa os debates do equilíbrio na tributação, que é o imposto sobre grandes fortunas (IGF), previsto na Constituição, mas que, vergonhosamente, ainda não foi criado. Do ponto de vista da visão que se tem do Estado, para supostamente reformá-lo, a Proposta de Emenda 32/2020 é ainda mais perigosa e contempla pontos que, além de “explosivos”, podem provocar um retrocesso em avanços que o Estado e a sociedade brasileiros conquistaram a duras penas ao longo do século XX, tentando afastar das práticas de gestão os apadrinhamentos políticos, a falta de estabilidade derivada de carreiras paralelas (de extranumerários) que desempenhavam, na prática, funções similares e as pressões dos agentes políticos sobre os servidores públicos. Do ponto de vista dos servidores públicos, o próprio Ministro da Economia, que encabeça a pasta de onde parte a proposta de emenda, tem uma visão ‘nada simpática’ e até estigmatizante e, portanto, preconceituosa. Já se sabe que o Ministro da Economia declarou que, em meio à pandemia, onde milhares que perdiam seus empregos na iniciativa privada precarizada, se incomodava com o fato dos servidores estarem em casa “com as geladeiras cheias”, como se desejasse que os servidores tivessem que estar angustiados, com medo e sem perspectiva de amparo pela estabilidade, ainda, naquela fatídica reunião que acabou sendo de ‘acesso do público’ antes da exoneração do Moro e, inclusive, por conta dela, o Ministro da Economia falou que eles colocaram A GRANADA “no bolso do inimigo” (inimigo referia-se ao servidor público e granada dizia respeito aos dois anos sem aumento de salário). O que mais deixa todos indignados é que: primeiro, em meio à pandemia, num contexto de incremento da pobreza, diante do acelerado desemprego, muitos dos servidores estão na linha de frente amparando as pessoas com a prestação de serviços públicos, que, segundo Ramonet: representam “o patrimônio dos que não têm patrimônio”, depois, pela exigência constitucional de que o Estado se preocupe em criar políticas de pleno emprego: o Ministro deveria estar, no fundo, contente pelo fato de que os servidores ainda estão auferindo suas remunerações e podendo, então, pela falta de perda de poder aquisitivo, consumir, e, por conseguinte, movimentar um pouco a economia, pois o aumento do desemprego estrutural acaba tendo reflexos no poder aquisitivo da população e na sua capacidade de consumo, o que estanca de vez as possibilidades de retomada, se também os servidores estivessem na penúria. Perceba-se que alguns poderiam dizer que: ah, mas os servidores ganham “remunerações nababescas”… Contudo, primeiro, a maior parte dos servidores possui remunerações baixas (mas não tão baixas como o ‘piso’ descendente de uma iniciativa privada precarizada, com os precariados numa situação similar ao tempo de horas que se trabalhava no início da Revolução Industrial… já que o governo ‘conta’, nos seus registros de trabalho, também a situação dos ‘informais’, todos sabem, no geral, como se trabalha hoje em dia no Brasil… em quantidades cada vez maiores na iniciativa privada pelo mesmo salário…), sendo, ainda, que o Ministro se ampara mais numa resposta dada a investidores que não apreciam um Estado firme do que propriamente em promover uma efetiva ‘economia de recursos’ com a sua Reforma Administrativa, pois a mesma PEC 32/202 não atinge as remunerações mais altas do funcionalismo, sendo estarrecedor ainda verificar que o mesmo Guedes que fala da “granada no bolso” do servidor (estigmatizado-o como um suposto ‘inimigo’), anunciou que pretendia aumentar o teto, pois 39 mil reais é muito pouco no comparativo com a iniciativa privada. Fica evidente que há uma visão ‘elistista’, pois para a nata das carreiras, que realmente aufere remunerações melhores, a reforma não alcança, isto é, não há reforma (nessa proposta), sendo inclusive 39 mil visto como pouco, no comparativo com CEOs de carreiras privadas, sem considerar que quem paga esse valor quando há gestão pública é a sociedade e não os que lucram com as grandes corporações, que fixam os valores que auferem os CEOs…, e, para a grande maioria dos servidores, que ganha baixa remuneração: a ideia é congelar, pois são inimigos, que, ainda, estão em casa com suas geladeiras cheias… Fica ainda mais clara a visão ‘elitista’, quando num pronunciamento o Ministro se disse incomodado num determinado período de dólar baixo, pois ATÉ as empregadas domésticas foram à Disney… Mesmo que se tente consertar as falas, importante que haja reflexão de que: quando se fala sem pensar, no fundo se fala o que se estava pensando… daí, não tem emenda que ajuste o soneto… Como estava o trâmite da PEC 32/2020: no fundo, paralisado por conta de questões econômicas, da pandemia, e, principalmente, pelas questões políticas – dado que o então-Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, não obstante ter sido favorável à ideia de Reforma Administrativa, não estruturou as comissões, que anunciou que seria feito a partir do início de 2021, mas depois se envolveu numa disputa de ausência de possibilidade de permanência e reeleição e, ainda, apoio ao candidato que não logrou vencer… Contudo, ao assumir a Presidência da Câmara, o agora Presidente Lira promete retomar a pauta de Reforma Administrativa, contando com o “entusiasmo renovado” do Ministro da Economia Paulo Guedes. A transparência não é o forte neste momento. Então, mesmo os estudiosos e pesquisadores da Reforma não conseguem ter acesso ao diagnóstico preciso de qual proposta irá ser levada a cabo, mas paralelamente aos desdobramentos políticos, a comunidade científica, dos administrativistas, realizou ao longo do segundo semestre de 2020 inúmeros congressos, seminários, eventos diversos, para discutir o conteúdo da PEC 32/2020 e foi UNÂNIME entre administrativistas (especialistas) das mais variadas vertentes ideológicas: que a PEC 32 é de péssima técnica e, ainda, tem potencial de trazer mais retrocessos e atrasos do que melhorias no âmbito do regime jurídico dos servidores. Não obstante, antes mesmo do anúncio da PEC, a grande mídia já vendia a Reforma Administrativa como “solução da lavoura”: sendo uma capa da revista Veja que colocou a Reforma como um remédio e também o Uol divulgou, pouco tempo antes de se tornar conhecido o conteúdo da PEC, uma matéria dizendo que os ESPECIALISTAS e a SOCIEDADE eram a favor da Reforma, sendo apenas os servidores públicos contra. Depois de um semestre de setembro para cá com inúmeros eventos da área do Direito Administrativo, pode-se dizer com bastante tranquilidade e segurança que os ESPECIALISTAS são CONTRA esse conteúdo absurdo da PEC 32/2020 e, para qualificar esse debate neste artigo, serão levantados 5 PONTOS EXPLOSIVOS da proposta do governo federal, encabeçada pelo Ministério da Economia, para uma Reforma Administrativa. AMPLIAÇÃO DO ROL DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Fica evidente que quem elaborou essa proposta de emenda pouco sabe sobre os efeitos de positivação de princípios com caráter normativo. A PEC 32/2020 pretende adicionar, além dos cinco princípios do caput do art. 37 da Constituição: mais 8 princípios, quais sejam, imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança e subsidiariedade. Parece que a proposta supõe que a positivação dos princípios trará mera sugestões, estimulando a que a Administração se volte a pensar em tais pautas, sendo que, na atualidade, a positivação de um princípio com caráter normativo faz com que se a Administração, doravante, por exemplo, editar um ato administrativo que não se adeque ao princípio da inovação, este ato poderá ser questionado pelo controle por ser ilegal em seu sentido mais abrangente. Assim, apesar de todos sermos pessoas conscientes de que a inovação é um imperativo que guia as organizações na sociedade contemporânea, que, diante das disrupções tecnológicas em produtos e serviços devem inovar, esse dever não deve ser uma obrigação para toda e qualquer situação da vida, apta a ser controlada com base em um princípio constitucional cogente. Ainda, pensávamos inicialmente que o princípio da responsabilidade seria algo mais próximo da responsiveness de governança, mas não: trata-se de desejo de incremento de responsabilidade dos servidores. Conforme explicação da exposição assinada pelo Ministro Paulo Guedes: “O princípio da responsabilidade demanda de todo agente público, de todos os níveis da federação e de todos os poderes e funções da República, responsabilidade no exercício de suas atividades. Essa responsabilidade é ampla e configura uma atuação íntegra não apenas sob o ponto de vista objetivo ou formal, mas também materialmente responsável.” Ressalte-se que num Estado de Direito, sujeito ao Rule of Law, na atualidade: não seria nenhuma novidade a responsabilização dos servidores. Inclusive, nos debates que ocorrem na área, a preocupação é exatamente oposta: pois o servidor responde pelo mesmo ato – em âmbito administrativo; em âmbito civil, por regressiva; em âmbito criminal; e por improbidade, que não tem natureza penal, sendo então discutido o ‘apagão das canetas’, a administração ‘do medo’, justamente para o caso de imputação de inúmeras responsabilidades que se tornam excessivas até. Por conta disto, a LINDB, com redação da Lei nº 13.655/2018 ao § 3º do art. 22, determinou que deve haver limites de individualização da pena, sendo que as sanções aplicadas serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. O governo propõe ter um princípio da boa governança, mas sua proposta de reforma nada traz de forma mais propositiva quanto à boa governança, que poderia acoplar avanços em planejamento, monitoramento, capacidade de entrega de bons serviços, por meio de indicadores, proposta de intensificação das medidas de governo digital, isso sim seria algo relacionado com a melhoria e reforma aos tempos atuais, demandando investimentos e não só corte, mas parece que a proposta quer apenas cortar vínculos jurídicos nas carreiras, precarizando a situação funcional dos servidores do futuro. VISÃO SUBSIDIÁRIA DO ESTADO E LIMITAÇÃO DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS DE FINANCIAMENTO E FOMENTO DE EMPRESAS (PRIVADAS E PÚBLICAS) Num contexto de crise, é também uma lição seguida atualmente, com a intensificação dos problemas de desemprego com os efeitos da COVID-19, que o Estado deve mobilizar suas forças para promover políticas de retomada da economia, sobretudo em um País em desenvolvimento. No entanto, na contramão da necessária mão relevante do Estado numa situação anticíclica, a PEC, descontextualizada, vem trazer ao caput do art. 37, isto é, ao núcleo constitucional da disciplina que rege a Administração Pública, uma visão subsidiária do Estado, como se ele fosse meramente complementar e subsidiário até às forças do mercado e da sociedade civil, isto é, requentando a visão minimalista do Estado… Nesta situação de dramática necessidade social, em que 7 em cada dez brasileiros precisam do SUS, pois não têm condições de fazer uso do atendimento privado, o governo deseja mudar o papel constitucional do Estado para alicerçá-lo numa visão subsidiária. Ainda, pretende-se inserir um absurdo de conteúdo: “É vedado ao Estado instituir medidas que gerem reservas de mercado que beneficiem agentes econômicos privados, empresas públicas ou sociedades de economia mista ou que impeçam a adoção de novos modelos favoráveis à livre concorrência, exceto nas hipóteses expressamente previstas nesta Constituição”. Trata-se de uma vedação a partir da qual qualquer oligopólio multinacional que queira questionar uma adoção de política econômica de fomento e incentivo, seja para empresas privadas ou mesmo estatais, poderá entrar na justiça e alegar violação à livre concorrência, impedindo então políticas e incentivos do FINEP, do BNDES, que busquem promover determinados setores econômicos, sendo que os Estados desenvolvidos na atualidade são totalmente favoráveis a que haja políticas de financiamento e fomento para o florescimento de inúmeros mercados, na diversificação de uma economia. PRECARIZAÇÃO DOS VÍNCULOS DE CARREIRAS PÚBLICAS Como bem enfatizou o jurista Romeu Felipe Bacellar Filho, na palestra de encerramento no Congresso Paranaense de Direito Administrativo, ocorrido em dezembro de 2020, olhando as carreiras públicas antes e depois da Constituição de 1988, pode-se elogiar o fato de que a Constituição organizou muito o emaranhado de situações precárias que existiam até então, sendo indiciário disto o que ocorreu, por exemplo, nos Tribunais: servidores concursados, já com vínculo de estabilidade, com funções específicas e um avanço jurisprudencial para maior segurança destas situações funcionais. De fato, houve a necessidade de estabilização, ocorrendo o reforço do regime mais específico do concurso, a previsão de estabilidade para servidores públicos em cargos efetivos, sendo que toda essa disciplina gerou uma corrida para os concursos, cada vez mais disputados, pessoas se dedicando para alcançar o profissionalismo, sendo que, atualmente, os servidores possuem formação mais sólida do que o geral da iniciativa privada. No entanto, a PEC é, no fundo, uma GRANADA não apenas no “bolso do servidor”, mas sobretudo na organização toda que a Constituição de 1988 nos legou, pois ela cria o caos de um emaranhado de vinculações, deixando parte da disciplina à mercê do arbítrio do legislador. Teremos, se for aprovada a PEC, cinco vínculos da mão de obra na Administração: (1) vínculo de experiência; (2) cargo típico de Estado, conforme disciplina de lei complementar; (3) cargo por prazo indeterminado, se o sujeito for ‘efetivado’ depois de passar por um vínculo de experiência; (4) cargo por prazo determinado; e (5) cargo de liderança e assessoramento, sendo ainda lacunosa a forma de composição. São situações que EM NADA contribuem para a melhoria, parece que a precarização do vínculo, a disseminação do medo de não efetivação, será a tônica para “supostamente” gerar melhoria na gestão de pessoal da Administração Pública. Assim, haverá o sujeito que é aprovado no concurso, mas sua situação ainda não é regularizada, pois ele fica na dependência de uma efetivação, sendo que quando efetivado ainda corre o risco de estar em um cargo de prazo indeterminado, o que fará ele sempre ficar inseguro e pensando no ‘plano B’ da sua vida profissional… É uma situação que gera mais pressão e que deixa a pessoa dependente de decisão de outras para manter uma situação funcional… sendo ainda caracterizada pela ausência de critérios objetivos para essa decisão fundamental. Aliás, com essa precarização dos vínculos o Poder Público pode se transformar em um local de alta rotatividade, o que não é nada bom, pois as organizações mais saudáveis, do ponto de vista da gestão, são aquelas em que as pessoas são estimuladas com bons relacionamentos, sólido plano de carreira, sem ameaças, e não locais que as pessoas não têm estímulo a permanecer, onde as pessoas são ameaçadas de não serem efetivadas, ou, ainda, de não terem um vínculo mais estável, o que as estimula sempre a planejar os outros passos, os próximos passos, diferentes dos que dão naquele momento. Assim, precarizando o vínculo, mudando a previdência, gerando mais cortes, não é caminho para atrair a mão de obra qualificada e envolvida, sendo ainda que qualquer alteração nos vínculos de hoje certamente deitará, como dominós em queda, efeitos futuros na sustentabilidade da base de contribuição do sistema previdenciário de amanhã… O pessoal da carreira típica do Estado será o único que permanecerá com estabilidade, mas isso dependerá da chancela de uma classificação contida em lei complementar: já dá para imaginar, então, que as carreiras ficarão nas mãos do arbítrio dos parlamentares, com o risco, ainda, de um enquadramento ou de um desenquadramento injusto… O cargo por prazo determinado já existe, nas contratações temporárias, mas vem aí novo vínculo, com uma obscuridade no regime jurídico. Por fim, o pior: cargo de liderança e assessoramento. A Constituição atualmente é clara, sendo possível haver função de confiança, para pessoas da carreira, e cargos em comissão: de livre provimento e exoneração, preenchíveis nos percentuais das regras das leis de carreiras. Essa precarização da situação, sem haver delimitação de regras fixas para preenchimento de cargos dentro da repartição com pessoas ‘de fora’, pode levar à situação de ausência de profissionalismo da época das oligarquias da República Velha, em que eram preenchidos cargos por indicação política, sendo que somente a partir da década de 30 no Brasil tivemos um ímpeto de profissionalização do funcionalismo, com os concursos públicos em âmbito nacional… O perigo de se ampliar sem regras indicações e preenchimentos sem concurso é justamente o de as cúpulas da Administração serem ocupadas por pessoas sem vocação, sem profissionalismo, comprometidas muito mais com as vontades dos governantes do momento, que de quatro em quatro anos passam pelo Poder Público, do que em face das políticas de Estado, acopladas a um programa constitucional para alcançar desenvolvimento e bem-estar da população, num funcionamento perene e necessário, pautado no chamado ‘governo das leis’ e não no governo da vontade cambiante de determinados homens. Essa precarização representará um retrocesso imenso, um atraso, em que haverá mais pressão política sobre as carreiras de Estado, inclusive, haja vista necessidade de compor com os agentes do parlamento qual o regime futuro da carreira… EXTINÇÃO DE VEZ COM O REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES E FUGA PARA O DIREITO DO TRABALHO (PRECARIZADO) Na última reforma ocorrida, da década de noventa, houve a tentativa, via EC 19/98, de extinção do regime jurídico único, o que provocaria, por via reflexa, a fuga para o regime jurídico do direito do trabalho, que atualmente sofre influxos de reformas (já houve uma, mas o governo deseja outras mais…). Ocorre que, por conta da inconstitucionalidade formal, pois ela foi pautada no segundo turno de votação, mesmo sem ter alcançado o quórum necessário à aprovação do primeiro turno, pois obteve 298 dos 308 necessários, houve a decisão na ADI-MC 2135, em 14.08.2007, de retorno do regime único. Ocorreram, portanto, efeitos repristinatórios, isto é, de volta da vigência da redação inicial, com efeitos ex nunc, o que provocou inúmeras discussões jurídicas sobre a abrangência do regime único. Agora, na PEC também se resgata esse desejo de inúmeros agentes políticos de índole mais liberal, no sentido de acabar com a disciplina de regime estatutário, no geral, dos servidores, pois isso acaba impactando na estabilidade do funcionalismo. Contudo, as pessoas, em regra, da sociedade não compreendem a importância da estabilidade do ponto de vista da estrutura social. A estabilidade não é um privilégio do servidor, mas ela representa, no fundo, uma garantia de todos. Trata-se de garantia de que o servidor estará seguro quanto ao seu futuro funcional para se blindar das pressões que frequentemente emanam das cúpulas políticas que se alternam no poder. Nesta perspectiva, enfatiza Juarez Freitas que o desenho institucional não contratual das carreiras de Estado tem especial relevo na proteção do funcionalismo contra atos arbitrários de agentes políticos que encabeçarão a estrutura do Estado por prazo determinado (FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e direito fundamental à boa administração. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 117). Quando, no Brasil, vigorava os preenchimentos de cargos públicos sem critérios (em período de oligarquias de República Velha), que eram feitos por correligionários dos agentes políticos e também em cima dos parentes (filhotismo), pois não havia todas as limitações de moralidade que existem hoje, então, “ai daquele…” que criticasse e questionasse os arbítrios dos donos do poder… esse cenário mudou muito por conta do reforço da segurança e do profissionalismo das carreiras públicas, o que pode ser implodido pela proliferação do regime trabalhista, acompanhada da precarização dos vínculos das carreiras, que estarão mais dependentes do arbítrio “dos que mandam” no país… PLENOS PODERES AO CHEFE DO EXECUTIVO Além de pretender reforçar a unidade e coordenação, que são desdobramentos próprios dos poderes hierárquicos, tentando alçar esses conteúdos à categoria de princípios constitucionais, o que é extremamente problemático, haja vista a descentralização própria do federalismo e as peculiares agruras de ausência de concertação interfederativa derivada dos conflitos vivenciados no âmbito federal no combate à pandemia, a proposta de emenda do governo pretende, ainda, atribuir plenos poderes ao Chefe do Executivo federal para extinguir entes da Administração Indireta. Trata-se de poderes de ingerência unilateral na estrutura da Administração Indireta que sequer foram juridicamente legitimados tecnicamente na época pesada da ditadura militar. Neste sentido, é absurda e explosiva a proposta de que, por decreto, conforme acréscimo de alínea no inciso VI do artigo 84, o Chefe do Executivo possa EXTINGUIR entidades da Administração Indireta como autarquias e fundações. Então, vamos supor que o Chefe do Executivo, seja lá qual for a pessoa que esteja no posto, não aprecie mais as atividades do IBAMA, enquanto autarquia federal ambiental, numa decretação, ele tem o poder de ceifar a existência de uma prestigiada autarquia que foi criada desde 1989, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, acabando com mais de trinta anos de existência profícua de uma importante entidade, imprescindível à gestão ambiental de nosso país. Isso ocorreria à revelia do determinado no art. 37, XIX, que, como determina que autarquia seja criada por lei, com o labor conjunto do Legislativo, também deveria ser extinta por lei, no chamado princípio do paralelismo das formas. Esperamos então que ao serem pautadas essas propostas, haja a necessária reflexão de seu poder de explosão de tantas conquistas no âmbito da estruturação das carreiras públicas no País, antes que o atraso se consolide no seio do capítulo constitucional da Administração Pública… seria necessário, para isto, realmente OUVIR OS ESPECIALISTAS, em vez de supor que eles concordam com o que sequer havia sido anunciado… ***** Irene Nohara, advogada, livre-docente em Direito Administrativo pela USP.