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SERVIÇO SOCIAL E O ACORDO DE GREVE DE 2022: as peculiaridades do trabalho dos assistentes sociais – avanços e retrocessos

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O acordo de greve de 2022 traz à tona uma discussão recorrente no Serviço Social do INSS: as particularidades do trabalho do Serviço Social versus a lógica estatística adotada pela instituição, com focos em metas e produtividade. Vários são os pontos de confronto com a instituição, mas vamos tratar aqui, nesse artigo, do embate travado entre a gestão do INSS e o Serviço Social acerca do número de Avaliações Sociais que cada profissional deve realizar, bem como do tempo de duração dessa atividade, com o objetivo de refletir se o que foi estabelecido no Termo de Acordo de Greve nº 01/2022 foi um avanço ou retrocesso para o Serviço Social do INSS e mostrar que o estabelecimento de até quatro (04) Avaliações Sociais por dia, por profissional, representa um ganho para a instituição, para a sociedade e para o governo. Com a implantação do Novo Modelo de Avaliação da Deficiência, a Avaliação Social passa a compor o processo de avaliação da deficiência para efeitos do acesso ao Benefício de Prestação Continuada para pessoas com deficiência, conforme previsto no Artigo 16, §1º, do Decreto nº 6.214/2007. Isso porque, passou-se a adotar o modelo biopsicossocial, baseado nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidades e Saúde-CIF, o que representou uma grande conquista no acesso ao direito de uma proteção social de renda para pessoas com deficiência. De acordo com o Manual Técnico do Serviço Social-MTSS (2012), a Avaliação Social, conjuntamente com o Parecer Social, a Pesquisa Social e o Estudo Exploratório dos Recursos Sociais, compõe os instrumentais técnicos do Serviço Social do INSS (MTSS, p.27), sendo considerada uma atividade complexa, que exige conhecimento especializado dos profissionais que a executam aliado a várias técnicas dentre elas, a entrevista social, baseada na escuta qualificada. (PARECER TÉCNICO nº 2/ 2012 INSS/DIRSAT/DSS). Desde 2009, no processo de implantação do Novo Modelo de Avaliação Social da Pessoa com Deficiência, em cumprimento ao Decreto nº 6.214/2007, a instituição vem publicando atos que alteram o tempo de duração da Avaliação Social e, consequentemente, repercutem no número de atendimentos por dia. Ao longo desses treze anos, o tempo de duração da Avaliação Social já variou de sessenta (60), quarenta (40) e até trinta (30) minutos, gerando uma desorganização na agenda do profissional, pois o número de atendimento chegava até dez (10), por dia, por profissional. Atualmente, está em vigor a Portaria DIRBEN/INSS nº 985, 25 de fevereiro de 2022 que mantém o quantitativo de sete (07) Avaliações Sociais para os profissionais com jornada de quarenta (40) horas semanais e, diferente da Portaria Conjunta PRES/DGPA/DIRAT/DIRBEN/INSS nº 11, de 17/03/2021, que estabelecia seis (06) Avaliações Sociais por dia, reduz para cinco (05) para quem exerce uma carga horária de trinta (30) horas semanais. Essas mudanças no que se refere ao tempo de duração e o quantitativo diário das Avaliações Sociais, mostra a relação que as gestões estabelecem com o Serviço Social previdenciário, com implicações na autonomia profissional e criação de um clima de instabilidade na organização do processo de trabalho, que tem rebatimentos na destinação do tempo para atividades que podem trazer grandes benefícios para a instituição, para o usuário e para a sociedade. Essa pressão pelo aumento no número de Avaliações Sociais por dia, deu-se em vários contextos, não só naqueles nos quais se verifica um significativo número de represamento de processos aguardando a realização de Avaliação Social, mas, também, em períodos em que tanto a Avaliação Social como a Perícia Médica eram agendadas para o mesmo dia ou com tempo de espera inferior a quinze (15) dias. As situações excepcionais eram de tempo de espera um pouco acima de trinta (30) dias, a exemplo do que se verificou em duas APS da Gerência de Teresina, que levou a elaboração de um projeto, pelo Serviço Social de uma das APS, que teve como objetivo contribuir com a redução do tempo de espera dos agendamentos das Avaliações Sociais e Perícia Médica na GEXTER, uma vez que, da capital, somente essas duas agências estavam com agendamento para acima de 15 dias, enquanto que nas demais os atendimentos estavam ocorrendo no mesmo dia. A meta era equilibrar a demanda entre as APS de Teresina, a curto prazo, bem como proporcionar o atendimento presencial único nas áreas de habilitação, Serviço Social e Perícia Médica em todas as APS, a longo prazo, isso, porque com a implantação do SIBE, a funcionalidade Associação: "(...) possibilita a organização e o equilíbrio de demandas dos locais de atendimento. É uma vantagem, especialmente para grandes capitais que possuem agências próximas entre si, pois evita a subutilização da agenda de alguns lugares e sobrecarga de outros." (Apostilha do curso SIBE II, disponível em http://escolavirtual.previdencia.gov.br). Fez-se o levantamento no Sistema Integrado de Benefícios - SIBE, referente ao período de julho a outubro de 2013, em um contexto no qual o tempo de espera para a realização da Avaliação Social estava acima de trinta (30) dias, e, nesse espaço de tempo, foram adotadas algumas medidas no sentido de reduzir o tempo de espera para a realização da Avaliação Social, sem êxito. O estudo dessa situação permitiu concluir que aumentar o número de Avaliações Sociais de forma isolada tem pouco efeito sobre a redução do quantitativo de processos em fila ou na redução do tempo de espera, sendo necessária uma visão global da realidade e, na atualidade, com novos processos de trabalho e novos fluxos de atendimento, um diagnóstico preciso da situação de cada gerência. Mostrou, também, a importância do Serviço Social realizar outras atividades previstas no MTSS e com isso, contribuir, de forma efetiva na resolução de problemas que envolve sua atuação. Cumpre salientar, que a demanda por avaliação social sempre foi bem significativa em todas as APS de Teresina, como revelou o diagnóstico citado anteriormente, e, assim como os demais serviços, mantinha-se um tempo de médio de atendimento razoável com o registro de avaliações sociais no mesmo dia do agendamento. Contudo, levantamento no SIBE, no período de agosto de 2009 a outubro de 2019, mostra uma queda considerável na demanda por Avaliações Sociais que podem ser atribuída a dois fatores. Primeiro, a partir de 2016, com a publicação do Decreto nº 8.805, de 07/07/2016, que passa a exigir a inscrição no CADUNICO, bem como o indeferimento em caso de renda per capita igual a ¼ do salário-mínimo, conforme legislação vigente à época, dificultando o acesso ao direito a uma proteção de renda. Segundo, a partir de 2017 tem-se a implantação do Projeto Piloto do INSS DIGITAL, uma vez que os requerimentos de BPC foram tangenciados, com a priorização da análise de outros benefícios, gerando um visível esvaziamento da agenda do Serviço Social. Ademais, a análise dos processos de BPC envolve outras etapas, que incluem a parte administrativa e perícia médica, que contribuem significativamente para o aumento do tempo de espera para conclusão da análise, especialmente, pelo deficit de servidores. E, mesmo com a adoção e expansão do Portal de Atendimento – PAT e do Requerimento Qualificado do BPC, conforme estabelecido na Portaria Conjunta DIRBEN/DIRAT/INSS nº 36, de 11 de junho de 2021, o tempo de espera pela conclusão dos processos continua aumentando. O que fica evidente pelo exposto até aqui é que essa medida de reduzir o tempo de duração da Avaliação Social e com isso aumentar o número de agendamentos por dia, é aleatória, sem fundamentação técnica e que, efetivamente, não conduz a concretização de nenhum objetivo profissional ou institucional. Ademais, fica expresso que o número de Avaliações Sociais por dia não foi determinante para o represamento e, portanto, sua solução não passa por essa medida, de forma isolada. Nesse contexto, cabe indagar: a “fixação” de cinco (05) Avaliações Sociais por dia, com duração de 60 minutos, estabelecido no Acordo de Greve foi avanço ou retrocesso? Se considerarmos as ameaças constantes de realização de sete (07) por dia (Em algumas gerências já é uma realidade), com o retorno da jornada de quarenta (40) horas semanais, bem como as fragilidades internas da categoria, a conjuntura atual e a instabilidade gerada pelas constantes mudanças em torno dessa questão, a “fixação” de 05 avaliações sociais foi uma “conquista”, um “avanço” para a categoria e abre a possibilidade para o planejamento e execução das demais atividades previstas no MTSS, especialmente se considerarmos que vigora a jornada de trabalho de quarenta (40) horas semanais em todas as APS. No entanto, considerando que o Acordo de Greve traz o termo “fixar” e não “até no máximo”, que expressa uma flexibilidade no quantitativo diário, como está estabelecido no Parecer Técnico nº02/2012, fruto das reflexões da categoria sobre o fazer profissional no INSS, numa perspectiva de atuação de forma mais ampla e com o compromisso de materializar o que está previsto na Matriz Teórica Metodológica do SS/1994 e no Manual Técnico do Serviço Social, e, ainda, considerando a Lei nº 12.317, de 26/08/2010, que garante a jornada de trabalho de trinta (30) horas semanais para os assistentes sociais (Inclusive, alguns profissionais já usufruem de tal direito através de liminares), tal “avanço” pode representar um “limite” aos anseios profissionais. E, mesmo com a referência a garantia de realização de outras atividades do Serviço Social, conforme previsto na Portaria PRES/INSS nº1.461, de 30 de junho de 2022, efetivamente, na prática, os profissionais realizarão somente Avaliações sociais, pois não basta está escrito a garantia, se esta não se fizer acompanhar das condições de trabalho que permitem a realização de outras atividades. Ademais, cinco (05) Avaliações Sociais por dia, continuamente, é desgastante, cansativo, estressante, e se constitui num forte fator que pode levar ao esgotamento físico e mental, pelas características do trabalho, que envolve contato direto com a dor, tristeza e sofrimento. Sem falar que, cinco (05) avaliações sociais por dia, ocupa muito mais que as seis (06) horas da jornada de trabalho dos profissionais, que ao final, encontram-se cansados física, mental e emocionalmente, com baixo rendimento no tempo restante, tornando improdutivas as demais horas da jornada de trabalho. Por isso, defendemos até quatro (04) Avaliações Sociais por dia. Não ignoramos o contexto desfavorável no cenário atual e nem a correlação de forças imanentes às instituições. E muito menos que ao ingressarmos em uma instituição, pública ou privada, nos inserimos em processos de trabalho que não são por nós construídos, como bem nos esclarece Iamamoto (2008). No entanto, a defesa pelo estabelecimento de quatro (04) avaliações social por dia não deve ser entendida como rebeldia, desconhecimento ou falta de compromisso com a instituição. Expressa a luta pela defesa da autonomia profissional, no sentido de garantir que o profissional gerencie o seu tempo de trabalho, mesmo que de forma relativa, para que possa, ao passo em que materializa o seu projeto ético-político profissional, atendam os interesses da instituição naquilo em que há sintonia. Ora, o gerenciamento do tempo pelo profissional, permite que este mantenha o atendimento das demandas espontâneas apresentadas por pessoas, que via de regra, têm dificuldade para resolver seus problemas junto à previdência social, fazendo-se de extrema importância, o serviço socialização de informações, principalmente no contexto do INSS Digital. O que se verifica é uma subutilização do potencial desse serviço, é o engessamento do profissional na realização de uma única atividade, uma vez que o tempo é todo destinado a Avaliação Social e, tal fato, não tem sustentação no argumento de que isso se deve ao represamento e nem nas informações obtidas em sistemas e nas estatísticas, pois estes são incapazes de captar o que acontece na APS e na sala de atendimento. Portanto, estabelecer no máximo quatro (04) Avaliações Sociais por dia, para cada profissional, com um tempo mínimo de sessenta (60) minutos, é uma condição de trabalho que permite/viabiliza: o planejamento de outras atividades, bem como a definição de uma rotina de trabalho que possa envolver a elaboração de planos, programas e projetos que visem resolução de conflitos entre a instituição e os usuários, potencializando os recursos que o INSS dispõe; a ampliação das ações de orientação social aos indivíduos, grupos e à população de forma criativa e produtiva impactando no acesso aos serviços ofertados pelo instituto, pois a informação com qualidade e uma orientação técnica e comprometida contribui para reduzir as dificuldades de acesso e evitar os atravessadores/intermediários, reduzindo, também, a judicialização dos processos. Nessa mesma direção, a elaboração e realização de estudos que possam avaliar a execução da política previdenciária realizado pelo Serviço Social do INSS pode contribuir com a melhoria dos fluxos e com a qualidade do atendimento, bem como com a redução do tempo de espera para a análise dos requerimentos, uma vez que as informações sobre documentação e procedimentos, podem reduzir, também, o número de exigências e conclusão mais rápida dos processos. Não menos importante, é a pesquisa social com temas relacionados à previdência social à vida dos usuários, sobre o território no qual estes vivem, formas de trabalho e adoecimentos, bem como sobre as demais políticas públicas, contribuindo na construção de respostas aos muitos problemas enfrentados pela população que mais utiliza os serviços do INSS. Na contramão do que defendemos, a forma como o INSS vem tratando os profissionais do Serviço Social tem levado a um empobrecimento do trabalho desses profissionais, porque cria uma camisa de força, engessa e gera uma “acomodação institucional” em muitos que só aguardam as “orientações”, desestimula o desenvolvimento de projetos, inibe a criatividade e o que este profissional poderia oferecer à instituição. Como assevera Couto: “É certo que o projeto da instituição compõe o arsenal de conhecimentos a ser levado em conta pelo assistente social, mas não encerra aquilo que a profissão tem a oferecer”. (grifo nosso). (COUTO, 2009, p.654) Portanto, a nossa defesa, coerente com a luta pela preservação da saúde do (a)s trabalhadores e trabalhadoras, com o cumprimento da lei que reduz a jornada de trabalho para trinta (30) horas e com imperiosa necessidade de realização de outras atividades é de até quatro (04) avaliações sociais por dia. A luta do Serviço Social não é para trabalhar menos, mas sim, para contribuir mais com a instituição na sua missão de garantir um atendimento de qualidade, respeitando as necessidades do público atendido pelo INSS, pessoas com deficiência, pessoas idosas, doentes, vítimas de acidentes de trabalho, crianças com diagnósticos diversos, dentre outros. ***** Maria Aurenice Mendes Frazão Rodrigues - Assistente Social do Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí-UFPI, Especialista em Serviço Social e Política Social, pela Universidade de Brasília-UNB, Especialista em Educação em Direitos Humanos, pela UFPI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Matriz Teórico-metodológica do Serviço Social na Previdência Social. Brasília: MPAS, 1994a. ______. Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010. Acrescenta dispositivo à Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social. _______. Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. Regulamenta o Benefício de Prestação Continuada – BPC. Brasília, 2007. ______. Resolução nº 203/DIRSAT/INSS, de 29 de maio de 2012, que aprova o Manual Técnico do Serviço Social do INSS. DOU de 30/05/2012 (nº 104, Seção 1, pág. 93). _______Parecer Técnico nº 2/2012 INSS/DIRSAT/DSS, padronização do tempo de atendimento e quantitativo máximo de avaliações sociais do B87 por dia. Brasília, 2012. _________. Decreto nº 8.805, de 07 de julho de 2016. (Altera o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, aprovado pelo Decreto no 6.214, de 26 de setembro de 2007. ________ NSS. Portaria PRES/DGPA/DIRAT/DIRBEN/INSS nº 11, de 17 de março de 2021. (Revogada pela Portaria Conjunta nº 14, de 16 de abril de 2021, revogada pela Portaria 1.417, de 24 de fevereiro de 2022). ________.INSS. Portaria DIRBEN/INSS nº 985, 25 de fevereiro de 2022. Estabelece parâmetros para gestão e configuração das agendas com ações profissionais em matéria de Serviço Social. ________.INSS. Termo de Acordo de Greve nº 01, de 23 de maio de 2022. Brasília, 2022. COUTO, B. R. Formulação de projeto de trabalho profissional. In: CFESS/ABPESS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABPESS, 2009. IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.